No dia da eleição de Leão XIV, o novo papa, abri por acaso o livrinho das contra-rimas de Paul-Jean Toulet. Caiu sem querer nesse poema:
Toda alegria tem seu percalço
E em si mesma anda quebrada.
Se você quer por mim ser amada,
Não ria jamais muito alto.
É ao pé do ouvido que se encanta
Sob a cinza do inverno
Esse coração lume encoberto
Que se consome e canta.
Toute allégresse a son défaut
Et se brise elle-même.
Si vous voulez que je vous aime ;
Ne riez pas trop haut.
C’est à voix basse qu’on enchante
Sous la cendre d’hiver
Ce cœur, pareil au feu couvert,
Qui se consume et chante.
Les contrerimes. Paris: Gallimard, 1979, pg. 83.
A praça de São Pedro repleta de gente, bandeiras, gritos de júbilo, um sol de maio ao fundo. Tudo muito bom, tudo muito bonito, mas depois da benção urbe et orbe, me perguntei: e onde estará a verdade?
Calma lá, não quero ser cínico como Pilatos. O papa lembrou já de primeira que a paz que ele quer dar é a paz de Cristo. E como disse o próprio: Ele é o caminho, a verdade e a vida. Mas de que valem as palavras se elas não movem os corações?
Nascemos numa era que dizer a verdade, por mais verdadeira que ela seja, já não basta. Precisamos tocar a verdade com as mãos do silêncio pois fomos intoxicados pela gargalhada dos alto-falantes.
Enquanto penduro a roupa no varal ouço um vídeo sobre o lançamento de um novo modelo de inteligência artificial capaz de fazer todo o meu trabalho, inclusive escrever este texto enquanto pendura a roupa no varal e de quebra encomenda flores para minha mulher. No meio do vídeo uma campanha me pede para salvar com apenas 10€ a menina que se vai casar obrigada pela sua tribo. Em seguida outro anúncio me promete a mais que almejada liberdade financeira por meio de um vídeo-curso definitivo. Todos pedem minha atenção em troca do dinheiro que não possuo. Mesmo a altissonante voz dos conservadores de batina ou de gravata é alta demais, surda demais. Estou cansado disso tudo, preciso de dar férias ao meu coração.
Dois dias depois da eleição saiu o brasão do novo papa. Nele, a chave: um coração transpassado que arde sobre um livro lembra que a palavra de Deus quando toca os corações, fere; como diz Santo Agostinho, vulnerasti cor meum verbo tuo.
Para cantar com o poeta é preciso buscar o silêncio. E mais, é preciso deixar que o coração arda não necesariamente com a santa e justa alegria desses dias, mas a partir da ferida dos nossos erros e desacertos, sedentos pela cura que só um grande Amor pode dar, tal como a chama que se consome em favor dessa esperança que encanta. Paul-Jean Toulet foi profético.